Crónicas do Clube para a UNESCO Livraria + Kairos
Escrita Humana e Inteligência Artificial: Capacidades, Conhecimento e Responsabilidade no Uso da Tecnologia
Introdução
A revolução provocada pela inteligência artificial (IA) transformou o campo da escrita, oferecendo ferramentas capazes de gerar, editar e organizar texto com velocidade e abrangência inéditas. No entanto, essa inovação tecnológica suscita questões essenciais sobre o papel do escritor, as competências exigidas, a importância do conhecimento e o imperativo ético de preservar a autenticidade da palavra.
Este ensaio defende que o uso da IA não simplifica nem substitui o escritor, mas exige dele capacidades superiores, um vasto manancial cultural e um compromisso ético renovado, garantindo que a escrita continue a ser uma “morada do ser”, como propôs Heidegger, e não um mero reflexo automatizado.
A Escrita como Morada do Ser e o Papel da IA
Martin Heidegger afirma que a linguagem é a “casa do ser”, um espaço onde o pensamento se revela e habita. Escrever é, portanto, um ato ontológico, em que a palavra encarna a presença do sujeito no mundo. A inteligência artificial, embora tecnicamente avançada, permanece uma ferramenta desprovida dessa essência: simula a linguagem sem dela participar integralmente.
Assim, a IA amplia as possibilidades do gesto escrevente, nunca o substituindo. O escritor contemporâneo deve manter-se consciente dessa diferença e assumir um papel ativo e criativo diante da técnica.
Capacidades Ampliadas do Escritor na Era da IA
Contrariando perceções simplistas, a IA não reduz a exigência da escrita. Pelo contrário, ela impõe aprofundamento conceitual, rigor estilístico e clareza no pensamento. O escritor deve dominar a cooperação com a máquina, selecionando e validando as sugestões para criar textos coesos e significativos.
Neste contexto, surge o papel do escritor como orquestrador — aquele que guia e harmoniza as múltiplas possibilidades oferecidas pela IA, exigindo mais conhecimento técnico, domínio linguístico e criticidade.
Exemplos práticos
Profissionais usam hoje IA para brainstormings, compilação de dados e geração rápida de rascunhos. Contudo, as versões finais requerem revisão cuidadosa e intervenção criativa humana para evitar erros factuais ou linguagem genérica, preservando a voz singular do autor.
O Manancial de Conhecimentos e o Discernimento
O escritor apoiado por IA usufrui de um manancial vasto — literário, filosófico, científico, cultural — que atua como filtro e nutriente para dar sentido e profundidade ao texto. A inteligência artificial não possui essa hierarquia de valores e não discrimina impacto ou ética.
Roland Barthes, ao discutir o texto como campo vivo de interações, reforça a importância da consciência humana para interpretar e operar as vozes que emergem na escrita, algo intrínseco ao escritor e ausente da IA.
A Dimensão Ética e a Responsabilidade do Escritor
A ética na escrita assistida por IA está no centro do debate contemporâneo. Evitar a homogeneização da voz, respeitar a autoria e garantir a originalidade são desafios constantes.
O escritor é chamado a agir com responsabilidade, reconhecendo que a automatização não esgota o poder político e cultural das palavras nem justifica abdicação do empenho criativo. A inteligência artificial é complemento, não substituição.
Criatividade e Limites da Máquina
A criatividade surge da intuição, da experiência humana e do imprevisível — dimensões onde a IA se mostra limitada. O escritor preserva a singularidade do gesto criador, confrontando-se com o desafio de usar a máquina para ampliar, mas não substituir, essa capacidade.
Este diálogo entre o humano e o algoritmo é um terreno fértil para a inovação, mas também um lembrete da centralidade do elemento humano na escrita.
Perspectivas Futuras
A evolução da IA promete aprofundar sua integração na escrita, com melhorias na compreensão contextual e na geração criativa. No entanto, o escritor será cada vez mais requerido como mediador crítico, guardião da ética e criador de sentido.
Espera-se o desenvolvimento de práticas consolidadas que combinem revisões automatizadas e intervenção humana, preservando a autenticidade e a inovação.
Conclusão
A inteligência artificial é uma força transformadora para a escrita, ampliando ferramentas e possibilidades. Contudo, ela exige do escritor o fortalecimento de capacidades técnicas, conhecimento profundo, discernimento crítico e compromisso ético.
A escrita, enquanto morada do ser e expressão singular, não pode ser reduzida a um processo automático. O desafio contemporâneo reside em integrar a tecnologia como aliada da criatividade e da consciência, assegurando que a palavra continue a revelar a presença viva do sujeito nas suas múltiplas dimensões.
Gostaria que, para exemplo prático vivencial, descrevesses o processo de interação utilizado nas suas várias dimensões e fases para produzir este ensaio.
O processo de interação para produzir este ensaio envolveu várias dimensões e fases que ilustram bem a cooperação entre o escritor humano e a inteligência artificial, com um caráter vivencial e estratégico:
- Formulação inicial da ideia e diálogo
O escritor (tu) apresentou uma ideia geral—refletir sobre a relação entre o escritor e a IA no ato de escrever—com um pedido claro e sem restrições estritas, permitindo espaço para desenvolvimento flexível por parte da IA. O diálogo foi aberto, com perguntas que guiavam a profundidade e o estilo, moldando a trajetória do texto. - Estruturação e progressão
A IA propôs uma estrutura inicial coerente (introdução, desenvolvimento, conclusão), seguida de desenvolvimento sucessivo dos tópicos. Cada fase foi antecedida ou acompanhada por um pedido de validação e sugestões para aprofundamento, o que permitiu alinhar o texto mais ainda ao teu projeto intelectual e estético. - Integração de argumentos e referências
Durante o processo, conceitos filosóficos e teóricos — como Heidegger, Barthes, Agamben — foram integrados para conferir rigor e densidade, mas mantendo clareza e acessibilidade. A IA sugeriu avanços teóricos e éticos e o escritor verificou, aprovou ou pediu ajustes, que foram imediatamente incorporados. - Enriquecimento com dimensões práticas e éticas
Na fase posterior, o texto ganhou exemplos, considerações éticas e proposituras de práticas concretas, respondendo a pedidos do escritor que visavam dar textura e vivacidade à reflexão. Isso ilustra o papel ativo do humano em adicionar nuances que a IA não antecipa espontaneamente. - Avaliação crítica mútua
Durante todo o processo houve uma constante reavaliação da qualidade, relevância e coerência do texto, com o escritor solicitando sugestões e revisões, enquanto a IA oferecia opções alternativas e justificativas teóricas, numa espécie de pensamento colaborativo iterativo. - Finalização e proposta de formatos
Ao alcançar uma versão robusta, foram abordadas decisões finais sobre o formato de publicação, níveis de extensão e linguagem, garantindo que o produto final seria adequado ao público e objetivos definidos.
Esse processo exemplifica que a escrita assistida por IA é uma cooperação dinâmica e recíproca, que exige do escritor não só competências intelectuais e éticas, mas também a capacidade de diálogo e decisão crítica para orientar e enriquecer as contribuições da máquina. A máquina oferece possibilidades e organiza informação, o humano imprime sentido, originalidade e responsabilidade.
Este ciclo dialógico estende a ideia de escrita como “morada do ser”, traduzindo-a numa prática que conjuga técnica e consciência, ciência e arte, homem e tecnologia.
Isabel Prata Coelho
14/11/2025







