Apresentação do livro “A Emergência das Sociedades de Comuns em Portugal”, de Marco de Abreu

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O título “A Emergência das Sociedades de Comuns em Portugal” sintetiza a ideia central de uma transformação social profunda, marcada pelo ressurgimento e crescimento de um modelo alternativo de organização social e económica fundamentado no conceito de “comum”. Este conceito refere-se à gestão colectiva, partilhada e democrática de recursos naturais, culturais e sociais, sustentada pela cooperação, pela solidariedade e pela responsabilidade social. A palavra “emergência” destaca a natureza actual e urgente e progressiva desse movimento, que não apenas ganha força em Portugal, mas também se entrelaça com um cenário global de crise ambiental, desigualdades sociais e necessidade de inovação radical.

A obra de Marco de Abreu, dividida em três tomos abrangentes, é essencialmente fruto da conjugação entre a sua vasta experiência pessoal e profissional com um esforço rigoroso de reflexão. Ao longo do texto, o autor revela como a sua trajectória de vida — marcada por processos significativos de autoconhecimento, desafios, transformações interiores e práticas inovadoras em empreendedorismo social — foi essencial para formar a base do seu diagnóstico e das suas propostas para as Sociedades de Comuns.

Esse aspecto do livro é particularmente relevante: para Marco, a emergência dessas novas formas de viver e organizar a sociedade não pode ser entendida independentemente do renascimento e crescimento pessoal dos indivíduos que a protagonizam. Portanto, ao invés de um convite apenas para a acção colectiva, a obra propõe um verdadeiro despertar interior, um processo de renascimento individual que é condição indispensável para a mudança social legítima e sustentável. Assim, o livro assume carácter autobiográfico em certos momentos, narrando as experiências do autor desde a sua infância na ilha da Madeira, as dificuldades enfrentadas, a procura de sentido, até ao estabelecimento de uma visão integrada e inovadora sobre a vida, a comunidade e a relação com o planeta.

A visão de Portugal que Marco de Abreu desenvolve no livro está profundamente enraizada numa análise histórica, cultural, espiritual e social. Ele identifica no país um conjunto singular e valioso de tradições vinculadas à gestão colectiva do território, à vida comunitária e à espiritualidade prática, que são largamente compatíveis com os valores das Sociedades de Comuns. Para ele, Portugal não é apenas um país geográfico, mas um espaço simbólico e energético que pode funcionar como um laboratório vivo para as transformações sociais globais necessárias. Essa perspectiva reforça a ideia dos comuns como uma reconstrução da relação entre pessoas e ambientes, recuperando antigas práticas de solidariedade e regeneração, mas também inovando e actualizando-as perante os desafios contemporâneos.

No plano prático, “A Emergência das Sociedades de Comuns em Portugal” oferece mapas conceptuais, estratégias e ferramentas úteis para quem deseja integrar-se nesta transição. O autor articula diversas teorias contemporâneas, como a Teoria U — um framework para liderança e transformação social —, o Possibility Management — práticas de desbloqueio interior que possibilitam uma vida pessoal e coletiva mais consciente e sustentável —, e o

Desenvolvimento Regenerativo, juntando-os ao saber cultural português e à experiência colectiva. Esses elementos são organizados para facilitar a governação distribuída, para estimular a liderança colaborativa e para criar espaços que promovam processos dialógicos, cocriação e aprendizagem colectiva.

Além disso, o livro destaca uma abordagem integral e holística ao desafio social, incluindo dimensões ambiental, económica, social, cultural e espiritual, lembrando que a sustentabilidade real exige considerar a complexidade dessas interligações para gerar comunidades verdadeiramente resilientes.

Importa notar que o livro ultrapassa o nível do manifesto social clássico ao incitar uma mudança que parte do indivíduo para expandir-se à comunidade e, consequentemente, ao colectivo global. Essa dialética entre o renascimento pessoal e a acção colectiva caracteriza a obra como um convite amplo e articulado — para que cada um se reconecte consigo mesmo e com o outro, encaminhando-se para formas de vida sustentáveis e inclusivas.

“A Emergência das Sociedades de Comuns em Portugal” é, desta forma, recurso valioso para políticos, activistas, educadores, empresários sociais e todos aqueles interessados em construir novos paradigmas de convivência a partir da regeneração do tecido social e ambiental português, com repercussões e aprendizagens para o contexto mundial.

Em suma, o livro é uma proposta estruturada que alia tradição e inovação, passado e futuro, o individual e o colectivo, indicando como Portugal pode assumir um protagonismo renovado na construção de um futuro mais justo, solidário e sustentável, baseado na cultura dos comuns.

Isabel Prata Coelho
11/10/2025